André Carneiro: o decano da ficção científica brasileira, um dos poetas da Geração de 45 e um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro

por Silvio Alexandre

André Carneiro teve uma carreira artística e literária eclética. Considerado um dos mais importantes escritores brasileiros de ficção cientifica de todos os tempos, também foi poeta, fotógrafo, cineasta, artista plástico, publicitário, crítico, hipnotizador clínico, entre outras atividades.

Inserido como um dos poetas mais respeitados da chamada Geração de 45 e um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro, também foi um dos destaques da chamada Geração GRD da ficção cientifica brasileira durante a década de 1960, ao lado de Rubens Teixeira Scavone, Fausto Cunha, Jeronymo Monteiro e Dinah Silveira de Queiroz. É o autor do gênero com maior destaque internacional, com seus contos e romances publicados em 16 países. O crítico espanhol Augusto Uribe o classificou como “o melhor autor de literatura fantástica da América Latina”. Foi através da sua obra que a ficção científica do Brasil ganhou notoriedade no exterior, embora pouco conhecida no país.

Natural de Atibaia, cidade do interior paulista, André Granja Carneiro nasceu em 09 de maio de 1922. Filho de Recaredo Granja Carneiro, provedor da Santa Casa de Atibaia e vereador na cidade durante muitos anos, e de Engracia de Almeida Carneiro, a primeira funcionária pública do sexo feminino no Estado de Goiás, descendente do bandeirante Bartolomeu Bueno.

Foi diretor de Cultura e Turismo da Prefeitura de Atibaia e secretário da Sociedade Amigos de Atibaia, quando conseguiu para a cidade o título de Estância Hidromineral e Turística. Antes, em 1946, já havia criado a primeira biblioteca pública da cidade, que originou a Biblioteca Municipal atual, junto com César Mêmolo Júnior, Donozor Lino e Helvécio Scapin. E também fundou o Clube de Cinema, com César Mêmolo Jr., que promovia debates após as sessões semanais. Além disso, como membro do Conselho de Turismo de Atibaia, criou os primeiros guias e cartazes ilustrados com fotos para a divulgação da cidade.

No Brasil é mais reconhecido como poeta. Em 1947, com outros escritores e poetas jovens, funda a Revista Brasileira de Poesia, divulgadora dos preceitos estéticos do que foi conhecida a chamada Geração de 45: a revalorização da palavra; a criação de novas imagens; a revisão dos ritmos e a busca de novas soluções formais. O poeta vê na poesia, mais do que produto intuitivo, o resultado da experiência da linguagem e da existência humana.

Junto com Péricles Eugênio da Silva Ramos, Domingos Carvalho da Silva, Mário da Silva Brito e Geraldo Vidigal organiza o 1º Congresso Paulista de Poesia (que oficializou a Geração de 45), realizado na Biblioteca Municipal de São Paulo, em abril de 1948. Tendo sido eleito secretário e com forte participação nos debates, Carneiro ganhou destaque e chamou a atenção de Oswald de Andrade, presente no evento junto com outros grandes escritores da época e que se tornou seu amigo, passando a visitá-lo com frequência em Atibaia. De acordo com o crítico Antônio Cândido (o convidado para fazer o discurso de abertura), após o Congresso Paulista, ocorreu um aumento expressivo de estreias em livros dos novos autores.

Assim, André Carneiro teve o seu primeiro livro de poesia, Ângulo e Face, publicado em 1949, pelo poeta Cassiano Ricardo, através do Clube de Poesia de São Paulo, do qual era presidente, ganhando prêmios e homenagens com sucesso nacional. Cassiano afirmou sobre André: “Seu poder de comunicação chega a ser contundente, fere mais do que a sensibilidade a flor da pele”. E a escritora Lígia Fagundes Teles decretou: “Temos um verdadeiro poeta pela frente”.

O poeta e crítico Ferreira Gullar lamenta que “a poesia sóbria e humana de um poeta como André Carneiro passe despercebida do grande publico. Ângulo e Face encerra em suas poucas páginas uma deliciosa e purificada mensagem lírica, feita de angústia e melancolia. Poemas construídos arquiteturalmente, num equilíbrio de verbalismo e emoção”. Para Oswald de Andrade, a poesia de André Carneiro neste livro “é uma continuidade modelar do Modernismo numa renovada e luminosa expressão”.

Em abril de 1949, criou o jornal literário Tentativa, junto com Cesar Mêmolo Jr. e sua irmã Dulce Carneiro (também poetisa), que alcançou grande repercussão nacional e internacional, sendo considerado, na época, o melhor jornal literário do Brasil. Uma das razões do seu sucesso foi sua isenção das polêmicas modernistas e por abrir espaço a várias tendências dos escritores das gerações 20, 30 e 45 e poetas em fase de ascensão. Além disso, sua distribuição era feita diretamente para os intelectuais e livrarias das grandes cidades e de outros países.

Em seu primeiro número, Tentativa teve a apresentação de Oswald de Andrade e o logotipo desenhado pelo pintor Aldemir Martins. Uma das grandes repercussões do jornal foi a publicação na edição nº 4, em outubro de 1949, de uma entrevista com o escritor Graciliano Ramos, falando sobre os textos e poetas da época. Vale ressaltar que Graciliano nunca havia dado nenhuma declaração à imprensa até então.

O jornal tinha entre seus colaboradores os maiores nomes da literatura nacional, seja da nova geração, como Domingos Carvalho da Silva, Lorival Gomes Machado e Cassiano Nunes, seja das gerações mais antigas, com seus autores já consagrados como Sérgio Millet e Oswald de Andrade; ou em processo de consagração, como Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux. Aparecem ainda, compondo a extensa lista de colaboradores, nomes como Guilherme de Almeida, José Lins do Rêgo, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes, Henriqueta Lisboa, Graciliano Ramos, Lêdo Ivo, Emílio Moura, Lygia Fagundes Teles, Autran Dourado, José Paulo Paes, Décio Pignatari e muitos outros, com participações especiais ou inéditas como Hilda Hilst, publicada ali pela primeira vez. E ainda contava com correspondentes estrangeiros em Paris, Buenos Aires, Lisboa e nas principais capitais brasileiras. Foi publicado até maio de 1951, em treze edições bimestrais.

Numa ação conjunta da prefeitura de Atibaia e do Arquivo Público do Estado de São Paulo o jornal foi reeditado em fac-símile, no livro A Geração 45 através do jornal Tentativa (Arquivo do Estado, 2006), com as principais edições impressas na época. A edição conta com artigos introdutórios do próprio André, do professor Osvaldo Duarte, da Universidade Federal de Rondônia, do jornalista Alberto Dines, entre outros.

A publicação seguinte de André Carneiro, Espaçopleno (Clube de Poesia, 1963), ganhou o prêmio Pen Clube de São Paulo. Era uma caixa de papelão no formato de 15,5×23 cm, que acondicionava 27 fólios soltos com 27 poemas ilustrados com xilogravuras. O prefácio foi de Domingos Carvalho da Silva e o planejamento gráfico e xilogravuras de Luis Dias. O crítico Wilson Martins ressaltou que “é uma obra de arte em si mesmo. Qualquer coisa como uma tradução tipográfica da poesia e nos remete ao clima intelectual de que os poemas de Mário Quintana são uma das expressões. Um dos melhores livros ultimamente publicados”.

Espaçopleno também recebeu, em 1966, o Prêmio “Alphonsus de Guimaraens”, da Academia Mineira de Letras. No prefácio, o escritor Domingos Carvalho da Silva escreveu: “O que distingue André Carneiro como poeta é principalmente a sua oposição a qualquer solução retórica. A emoção estética que ele busca é essencialmente a da revelação da beleza e do mistério das coisas. Sua poesia – que é de recusa total aos mitos clássicos, às confidências pessoais e a qualquer forma de misticismo − começa, sob o aspecto da temática e do léxico, nos dias atuais, e a celebração do submarino, da nave espacial, do engenho atômico, da radiologia, do robô, da cerâmica esmaltada, do polietileno, da publicidade subliminar e do amor também, mas um amor doméstico e quotidiano com considerações práticas”.

Mais outro livro de poesias premiado, desta vez o Prêmio Nacional Nestlé, foi Pássaros Florescem (Scipione, 1988), traduzido em inglês por Leo L. Barrow, da Universidade do Arizona, dez anos depois, com o título de Birds Flower (Las Arenas Press, Tucson, 1998), em edição bilíngue. O editor-chefe de O Estado de São Paulo e membro da Academia Paulista de Letras, Nilo Sclazo, assinala que “os poemas reunidos neste livro suscitam no leitor aquela sensação de estranheza que, segundo os estudiosos de teoria literária, constitui traço fundamental da criação original”.

O tradutor Leo Barrow já havia publicado a poesia de André Carneiro na primeira antologia do Modernismo brasileiro em língua inglesa em An Introduction to Modern Brazilian Poetry: Verse Translations (Poetry Club of Brazil, 1954), com retratos e ilustrações apresentando os poetas resenhados com desenho de Darcy Penteado, em bico de pena.

Nos anos 1960 e 1970, foi colaborador do prestigioso Suplemento Literário, caderno semanal do jornal O Estado de São Paulo, com seus contos, poesias, críticas e fotografias. Dirigido por Antônio Cândido e Décio de Almeida Prado, o Suplemento tinha como preocupação a ideia de garantir na imprensa um espaço regular para o debate de ideias e a divulgação de autores novos e consagrados, especialmente os escritores brasileiros.

O último livro de poesia de André Carneiro, a antologia Quânticos da Incerteza (Redijo, 2007), com organização de Osvaldo Duarte, numa realização da prefeitura da Estância de Atibaia, apresenta suas poesias mais maduras. Para o artista plástico, poeta e arte-educador Nestor Isejima Lampros, Quântico da Incerteza, decorre da “interposição do poeta frente à era das máquinas, da era espacial, com lirismo e às vezes com um humor que acontece quando reconhece que o mundo não pode ficar alheio à fissão atômica, mesmo às inclusões de naves espaciais, que podem infestar o meio universal, e que por sermos desacreditados, somos forçados a repudiar como conversa de carochinha. Ele transpõem a vida na cidade terrena, para a vida intergaláctica”.

No exterior, apesar de ter sido publicado na Franca, na primeira antologia dos melhores poetas brasileiros, Poémes du Brésil (Dessein et Tolra, Paris, 1985), a atividade mais conhecida de André Carneiro foi a de escritor de ficção cientifica, sendo o primeiro membro da América do Sul a integrar a ambicionada Science Fiction and Fantasy Writers of America, entidade profissional de escritores americanos.

Foi o único autor brasileiro na antologia The Definitive Year’s Best Selection, publicado pela editora norte-americana Putnam, em 1973, com citação do seu nome na capa como “Internacional Master”. E, também, da edição inglesa The Penguin World Omnibus of Science Fiction (Penguin Books, 1986), editada por Brian Aldiss e Sam J. Lundwall, que reuniu histórias dos quatro cantos do mundo.

Representou o Brasil no romance colaborativo de ficção científica internacional Tales from the Planet Earth (St. Martins, 1986), organizada por Frederik Pohl e Elizabeth Anne Hull, que reuniu 19 autores de países diferentes. O tema unificador era a posse alienígena de um corpo humano (com ou sem permissão de seu proprietário natural) por uma inteligência de uma estrela distante.

Em 1977, com o objetivo de divulgar a ficção científica latino-americana no mercado editorial francês, o tradutor belga Bernard Goorden selecionou alguns contos que havia traduzido, entre eles Zinga, o Robot e A Escuridão, de André Carneiro, e os publicou na coleção Ides… et Autres, da editora Recto-Verso, da Bélgica.

Como não conseguiu publicar na França, Goorden tentou na Suécia e obteve êxito, publicando o volume Det Nödvändigaste (Delta Förlag, 1978) em uma tiragem de 2.000 exemplares. E, mais tarde, conseguiu que o escritor A.E. Van Vogt, um dos mais influentes autores de ficção científica, escrevesse uma Introdução, além de autorizar o uso do nome na capa, ao lado do seu. Graças a esta estratégia de marketing, a antologia foi publicada simultaneamente em alemão como Die Venusnarbe (Heyne Verlag, 1982), com uma tiragem de 20 mil exemplares; e na Espanha Lo Mejor de la Ciencia Ficción Latinoamericana (Martínez Roc, 1982), com uma tiragem de oito mil exemplares.

A.E. Van Vogt escreveu que o conto Escuridão (“Darkness”, em inglês) não só “é um dos maiores trabalhos escritos na ficção cientifica, mas também da literatura mundial. Não é apenas ficção científica de ação superficial, mas literatura no seu melhor sentido. André Carneiro merece a mesma audiência de um Kafka ou Albert Camus”. Já o consagrado escritor Arthur C. Clarke ressaltou: “Li André Carneiro de um só fôlego. É impressionante como ele consegue fazer boa literatura”.

Na Suécia, seus contos foram publicados no final dos anos 1970 pela revista Jules Verne Magasinet, criada em 1940 – a única revista do mundo de ficção científica durante uma época. A partir de 1972, ela passou a ser dirigida por Sam J. Lundwall, o mais influente e importante editor de ficção científica na história da publicação sueca. Proprietário da editora Delta Förlags, Lundwall publicou uma extensa lista de livros do gênero na coleção Delta Science Fiction. Entre eles, a versão sueca do primeiro romance de André Carneiro, Piscina Livre (Moderna, 1980), que foi publicado simultaneamente no Brasil. Carlos Drummond de Andrade afirmou que “em Piscina Livre, André exercita de maneira brilhante a originalidade de ficcionista”.

Piscina Livre desenvolve uma temática onde uma nova ordem, envolvendo a sexualidade e o amor, se apresenta como pano de fundo para uma devastadora crítica à moral e aos costumes de hoje. Essa assinatura estilística da ficção de André Carneiro teve início no conto que dá nome ao seu primeiro livro em prosa, Diário da Nave Perdida (Edart, 1963), que recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano, do Departamento Cultural da Prefeitura de São Paulo, em 1967. Para o crítico Clóvis Garcia, essa antologia “mostra a que nível de qualidade artística pode chegar a ficção científica quando tratada por um verdadeiro autor, seriamente preocupado com as reações humanas e as qualidades literárias de suas histórias”.

O conto Diário da Nave Perdida faz parte de um conjunto de narrativas ambientadas num futuro de traços acentuadamente hedonistas e de intensa ênfase na relação sexual que se relacionam, de uma forma ou de outra, com o gênero da distopia.

Seu principal romance, Amorquia (Aleph, 1991), irá continuar com essa temática numa provocadora visão de um futuro que nos obriga a repensar o presente. Nele vemos retratada uma sociedade onde o amor exclusivo é uma doença. A fidelidade é o primeiro indício de desagregação e insanidade. As mães já não são importantes. O sexo ensinado nas escolas é praticado livremente. A morte só ocorre por acidente físico, sendo apenas motivo de curiosidade. Até o momento que inexplicavelmente a morte “natural” retorna ao seio desse éden social, abalando a estrutura sociopsicológica dos personagens. Paradigmas são postos à prova, um novo sentido de comunidade e necessário e o medo reaparece no vocabulário.

André Carneiro organizou a antologia de contos de ficção cientifica É Proibido Ler de Gravata (Multifoco, 2010), com os participantes da Confraria de Escritores, a partir da Oficina de Literatura e Poesia, em Curitiba, orientada por ele.

Seu ensaio Introdução ao Estudo da Science Fiction (Conselho Estadual de Cultura, 1967) foi o primeiro estudo em português apresentando e discutindo em seu texto alguns dos principais temas relacionados à ficção científica e recebeu o Prêmio Literário Câmara Municipal de São Paulo. A escritora Dinah Silveira de Queiroz, da Academia Brasileira de Letras, o trata por “nosso mestre da ficção cientifica”.

Entre junho de 1962 e novembro de 1981, a Embaixada do Brasil em Madri publicou 52 números da Revista de Cultura Brasileña, cujo promotor foi João Cabral de Melo Neto, e que teve como primeiro diretor o também poeta Ángel Crespo. Na edição 28 tivemos um texto de André Carneiro: “Introducción al Estudio de la Ficción Cientifica”; na verdade, a reprodução dos capítulos 1º e 2º, além de uma parte do 5º, do livro “Introdução ao Estudo da Science Fiction”. Neste mesmo número também foram publicados cinco contos brasileiros de ficção científica dos autores Antônio Olinto, Clóvis Garcia, Leon Eliachar, Rachel de Queiroz e Zora Seljan, tirados do livro Histórias do Acontecerá (Edições GRD, 1961).

A Revista de Cultura Brasileña foi um espelho da produção cultural do Brasil da época. Mais que um boletim de informações ou notícias, a revista foi uma espécie de compêndio da cultura brasileira, em que se encontravam trabalhos assinados por, entre outros nomes de prestígio, Gilberto Freyre, João Cabral de Melo Neto, José Guilherme Merquior, Otto Lara Resende, e traduções de seu diretor Angel Crespo e de Damaso Alonso.

Existem diversos estudos e teses sobre a obra de André Carneiro, como a dissertação de mestrado do especialista em literatura Ramiro Giroldo: “A Ditadura do Prazer – Ficção científica e literatura utópica em ‘Amorquia’, de André Carneiro”, pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2008; e a dissertação de mestrado de Oswaldo Duarte, “O estilo de André Carneiro: sua expressão, temas recorrentes e aproximações com a geração de 45”, pela Universidade Estadual Paulista de Assis, em 1996. Na Universidade do Arizona, nos EUA, sua obra foi analisada no doutorado de David Lincoln Dunbar, “Unique Motifs in Brazilian Science Fiction”, em 1976, que foi o primeiro estudo de cunho acadêmico em todo mundo voltado para o entendimento da produção da ficção científica brasileira.

A Universidade Federal de Pernambuco promoveu, em 2009, o seminário “Intersecções: Ciência e Tecnologia, Literatura e Arte”, com o lançamento da coletânea de ensaios de mesmo nome, organizada pela profª Ermelinda Ferreira da UFPE, que debateu, entre outras, as obras de André Carneiro. Foi publicado, também, seu conto Noite de Amor na Galáxia. Essa coletânea reuniu ensaios advindos de duas disciplinas do mestrado em Teoria da Literatura da UFPE, onde se estabelece um intercâmbio entre a literatura, as artes plásticas, o cinema e a música.

André Carneiro foi diretor de edições da Editora Edart e do Clube de Poesia de São Paulo, do qual também foi presidente, assim como foi eleito para diversos cargos na União Brasileira de Escritores. E por muitos anos foi membro do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo. Como diretor de propaganda da Companhia Cacique de Café Solúvel, dirigiu o lançamento do Café Pelé, onde fez inúmeros comerciais para a televisão e curtas metragens, dirigindo, nas décadas de 1970 e 1980, celebridades como Pelé e o piloto Émerson Fittipaldi.

Sua atuação no cinema nacional começou com filmes artísticos de pesquisa. Ganhou vários prêmios e um dos filmes, Solidão (1951), representou o Brasil no 13º Concurso Internacional de Cinema Amador, realizado em agosto de 1951, em Glasgow, Escócia, sendo depois exibido na França e Itália.

Além de Solidão, outros de seus curtas-metragens foram recuperados pela Fernandes & Mendonca – Som e Imagem, uma produtora de Curitiba que digitalizou alguns filmes, com telecinagem feita por Mario Mendonca e Megg Fernandes, a partir dos originais em formato 8mm. Também está disponível na internet Estudo de Continuidade e Movimento (1950), premiado em 1951 no 3º Concurso Cinematográfico Nacional para Amadores, patrocinado pelo Foto-Cine Clube Bandeirantes e realizado no Museu de Arte de São Paulo. Este curta recebeu em 1952 o prêmio “Estímulo” de melhor filme gênero experimental e representou o Brasil, junto com Último Encontro (1951), em mostras de cinema no Reino Unido, Itália, França e Holanda.

No cinema profissional, André Carneiro se destacou principalmente como roteirista, trabalhando com grandes nomes do cinema nacional como Roberto Santos, Abílio Pereira de Almeida e Walter Hugo Cury. Seu roteiro Os Pereyras (1954), ganhou o Concurso Nacional de Cinema do Quarto Centenário de São Paulo. Seu roteiro mais importante, A Vida de Meneghetti, foi vendido para o produtor italiano Carlo Ponti que, infelizmente, não realizou o filme por ter tido um grande prejuízo no Brasil.

Seu conto O Mudo foi transformado em roteiro no sofisticado filme de longa-metragem, pela Embrafilme, Alguém (1970), dirigido por Júlio Xavier Silveira, com Nuno Leal Maia, Myriam Rios e Ewerton de Castro no elenco. A produtora Fernandes & Mendonca fez uma recuperação do vídeo em VHS, produzido pela VideoBan.

Já o conto O Homem que Hipnotizava interessou ao cineasta Roberto Santos, que assinou um contrato com André com a intenção de fazer um filme (em plena ditadura) de um homem que se auto-hipnotizava e transformava a própria realidade. Era o brasileiro iludido pelo governo, um símbolo do Brasil, cegado pela censura, acreditando nas mentiras do “milagre econômico” e do célebre bolo que seria repartido quando crescesse. Infelizmente, Roberto Santos morreu sem realizá-lo. Mas, o diretor e dramaturgo Ziembinsky comprou o conto para o programa Caso Especial, da Rede Globo, que foi produzido e anunciado como Mergulho no Espelho, com Marcelo Picchi, mas não foi ao ar por proibição da censura do governo militar.

Recentemente, Escuridão, sua história mais famosa, foi adquirida por um produtor espanhol a fim de ser transformado em filme. Publicado em 1963, Escuridão antecedeu em mais de três décadas o romance Ensaio sobre Cegueira, do escritor português José Saramago, publicado em 1995, que retrata um mundo onde as pessoas ficam repentinamente cegas. É inquietante a semelhança com a obra de Saramago ao notarmos cenas marcantes e temas comuns. Para o escritor e compositor Bráulio Tavares, a noveleta Escuridão “emprega um estilo propositalmente distanciado, em que nomes, datas, tempos e espaços parecem diluir-se na escuridão geral, deixando somente o fluir vagaroso e angustiante de uma situação impossível à qual o personagem central procura acostumar-se, com a obstinação de um bicho cuja primeira certeza, acima de todas as outras, é a de que é preciso continuar vivendo, e tentando”.

Mas, ao contrário do que se passa no livro de Saramago, lembra o jornalista e escritor Antônio Luiz M. C. Costa, nesta noveleta de André Carneiro “se enfatiza os atos de solidariedade mais que os de egoísmo. Os cegos se mostram benevolentes e dão uma ajuda desinteressada a pelo menos alguns dos desesperados, dentro dos modestos recursos de que dispõem. Apesar da situação absurda, a narrativa é muito convincente e consegue fazer do infantil medo do escuro algo mais aterrorizante que qualquer monstro, vampiro ou psicopata de filmes de terror. A sensação de desamparo e impotência que nos invade a cada vez que somos surpreendidos por um apagão noturno de poucas horas é aprofundada até ao limite”.

André Carneiro foi professor de roteiros no Senac de São Paulo, onde dirigiu o roteiro piloto do programa sobre profissões “Deu Trampo”, em setembro de 1997, para os canais a cabo da TV Senac. A partir de uma profissão, eram apresentados depoimentos sérios, mas bem-humorados, além de esquetes que satirizavam algum estereotipo da atividade. Misturava a linguagem dos programas Armação Ilimitada e TV Pirata, da Rede Globo, com ritmo jovem, mas nem tão alucinante, dos programas da MTV.

Para ele, o cinema e a fotografia estão misturados, assim todas as suas atividades têm um inegável parentesco intrínseco entre elas. Como fotógrafo, foi um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro. Sua fotografia Trilhos (1951), em que observa do alto, uma sequência vazia de linhas de bondes curvas e brilhantes, ornada por alguns poucos pedestres, é considerada um dos marcos do Modernismo fotográfico no Brasil. Está exposta no Tate Gallery, em Londres, em exibição permanente.

Em 2007, ele foi incluído com destaque na exposição coletiva Fragmentos – Modernismo na Fotografia Brasileira, da Galeria Bergamin, em São Paulo, sob curadoria de Iatã Canabrava. Foi realizada entre 21 de Abril a 26 de Maio, com a participação de 24 fotógrafos pertencentes às vertentes do fotoclubismo brasileiro, que determinaram a produção das décadas de 1940 e 1950. Esse movimento começou em São Paulo no Foto Cine Clube Bandeirante e se estendeu a outros estados. A Exposição percorreu, além de São Paulo, as cidades do Rio de Janeiro e Belém do Pará.

A mostra da Galeria Bergamin foi precursora – e em certa medida se desdobrou – da exposição Moderna Para Sempre – Fotografia Modernista Brasileira na Coleção Itaú (2013/2014), promovida pelo Itaú Cultural para celebrar o aniversário de São Paulo, lançando ao público o olhar de artistas modernos que registraram o crescimento, a urbanização e a transformação da metrópole.

Iniciando a programação de exposições de 2009-2010, a Fundação Cisneros Fontanals Art realizou a primeira turnê da exposição The Sites of Latin American Abstraction, curadoria de Juan Ledezma. A parada nos Estados Unidos foi no Museu de Arte Latino-Americana (The Museum of Latin American Art – MOLAA), em Long Beach, Califórnia. Foi aberta no dia 8 de novembro de 2009 e permaneceu em exibição ate 17 de janeiro de 2010.

Depois do MOLAA, a exposição seguiu para a Europa com primeira parada no EsBaluard Museu d’art Modern i Contemporani, em Palma de Mallorca, Espanha, de 27 de marco a 20 de junho. E seguiu para o Kunst und Ausstellungshalle der Bundesrepublik Deutschland, em Bonn, Alemanha, de 17 de setembro de 2010 a 30 de janeiro de 2011. Terminando no Haus Konstruktiv, de Zurique, Suíça, de 24 de fevereiro a 1o de maio de 2011.

Integrante da conceituada Coleção Ella Fontanals-Cisneros, a exposição apresentou uma nova abordagem para a abstração geométrica na arte da América Latina produzida entre as décadas dos anos 1930 e 1970. Esta foi a primeira vez que a Fundação realizou uma turnê de suas exposições fora de Miami. A exposição procurou explorar um aspecto da arte abstrata latino-americana: em que medida o desenvolvimento simultâneo de um movimento abstrato, com base na arte modernista, em diferentes centros artísticos (Argentina, Brasil, Uruguai e Venezuela) respondeu a necessidade cultural e sócio-político de uma discussão de uma identidade latino-americana.

A Fundação Cisneros Fontanals Art é uma organização sem fins lucrativos fundada pela filantropa e empreendedora Ella Fontanals-Cisneros em 2002. Localizada em Miami, a Fundação nasceu com o objetivo de apoiar artistas que exploram novos caminhos na arte contemporânea e promover intercâmbios cultural e educacional.

Como artista plástico, André Carneiro foi o criador da pintura dinâmica, técnica que usa líquidos químicos que tomam formas em compartimentos transparentes justapostos. Perito em cortar vidros usando diamante, graças ao trabalho que realizava na loja de materiais de construção que herdou do pai, criava quadros com diversos compartimentos de vidros com líquidos de cores variadas, além de mercúrio e outros materiais. Manuseado pelo espectador, formavam milhares de combinações plásticas.

Também realizou exposições de “Poesia Colagem”, técnica com a qual criou várias capas de livros de autores brasileiros e ilustrou diversos de seus próprios poemas.

Nos anos de 1960, ganhou destaque por seus estudos e pesquisas na parapsicologia e hipnose, realizando pesquisas no Instituto Quevedo, entre outros. Sobre o tema, publicou O Mundo Misterioso do Hipnotismo (Edart), em 1963; e Manual de Hipnose (Resenha Universitária), em 1978. Tornou-se um dos poucos membros brasileiros do Parapsychological Association, a mais respeitada instituição internacional de Parapsicologia, com sede nos Estados Unidos.

Em 1969, dirigiu os trabalhos no histórico “Simpósio de FC”, um evento integrante do 2º Festival Internacional do Filme, organizado por José Sanz, que aconteceu no Rio de Janeiro, em promoção do Instituto Nacional do Cinema, do Ministério da Educação e Cultura e da Secretaria de Turismo do então Estado da Guanabara. As palestras e exibições de filmes do Simpósio aconteceram no Teatro Maison de France. Carneiro contava com orgulho ter assistido ao filme Metrópolis ao lado de Fritz Lang, assim como 2001 – Uma Odisseia no Espaço ao lado de Arthur C. Clark, convidados do Festival, entre outros grandes nomes da literatura mundial de ficção cientifica, como Alfred Bester, John Brunner, Harry Harrison, A.E. Van Vogt, Frederick Pohl, Brian Aldiss, Poul Anderson, Harlan Ellison, Robert A. Heinlein, Damon Knight e Forrest Ackerman.

Foi condecorado pelo governo francês com a Medalha de Prata da Cidade de Paris, da Societe D’Education et Encouragement, em 1950, por suas atividades de intercâmbio cultural e cooperação artística entre Brasil e França. Em 1951, é feito “Membre D’honneur” da Academie Ansaldi, de Paris. Em 1999, recebeu o prêmio Laurel Solidário Casa do Escritor, caracterizado por uma placa de prata gravada para celebração das datas mais expressivas na vida pessoal e artística do escritor. Em 2007, foi escolhido “Personalidade do Ano” pelos editores do Anuário Brasileiro de Literatura Fantástica. Em 2009, foi diplomado pela Academia de Letras do Brasil, onde também recebeu o título de Doutor Honoris Causa.

Em setembro de 2012, foi homenageado com a leitura de seus poemas de ficção científica, em comemoração aos seus 90 anos, durante o VI Fantasticon – Simpósio de Literatura Fantástica, organizado pelo editor Silvio Alexandre, com realização da Biblioteca Pública Viriato Corrêa e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo,

Em julho de 2014, recebeu o Troféu MegaCon Brasil pelo conjunto de sua obra e sua valiosa contribuição para a literatura nacional, durante o evento MegaCon 2014, um encontro das comunidades nerds, geeks, otakus, de ficção cientifica entre outros, no campus da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, em Curitiba.

A Prefeitura de Atibaia (SP) promoveu a 1ª Semana André Carneiro, de 24 a 30 de marco de 2014, para homenageá-lo. Com a parceria da Difusão Cultural e do Instituto Garatuja, o evento teve a curadoria do artista plástico Márcio Zago, que tem batalhado para a efetivação e continuidade deste ambicioso projeto na cidade. A Semana contou com uma exposição dos livros de André Carneiro (que passaram a fazer parte do acervo permanente da Biblioteca Central de Atibaia), um Museu de Rua com ampliação de fotos e reproduções de fotos e de obras de artes plásticas, além da exibição do longa-metragem “Alguém”, dirigido por Júlio Xavier Silveira, baseado no seu conto O Mudo. Esse evento cultural ofereceu diversas atrações à população, como o 7º Curta Atibaia e o 8º Festival de Atibaia Internacional do Audiovisual (FAIA), mostras competitivas, exibições, debates, palestras, além de atividades nas áreas de cinema, fotografia, artes plásticas e literatura.

Segundo o médico psiquiatra Paulo Urban, seus poemas trazem o mesmo caráter “por meio de versos articulados em estilo fragmentário, que atiram em nossas caras as contradições da vida, o poeta contrapõe ao progresso cibernético a precária condição humana, repleta de angústias indefinidas que nunca sobram resolvidas, apesar da sedução tecnológica que prega a virtualidade de um mundo sem problemas. Sua poesia é um convite à introspecção e à análise espiritualizada de nos mesmos”. Para o escritor Roberto Causo, Carneiro “trouxe para a ficção cientifica brasileira não apenas textos de qualidade, mas questões importantes e de peso junto ao mainstream literário, como a denuncia do conservadorismo social, a referência à cultura das drogas, a impermanência do real e as dificuldades de comunicação na modernidade, rendendo-lhe comparações com Franz Kafka e os mágico-realistas latino-americanos”.

Em sua dissertação de pós-graduação em Letras na Universidade Federal de Pernambuco, o professor Germano Cesar da Silva completa que “o pioneirismo de Carneiro, um autor que se lançou na ficção científica quando já possuía uma sólida carreira como poeta, decorre justamente de seu trabalho de exploração estética da linguagem da própria narrativa especulativa, adentrando em seus elementos, investigando seus códigos e esquemas representativos, e explorando a resiliência de temas muito codificados e engessados pelo gênero”.

A obra literária de André Carneiro se caracteriza quase que sistematicamente por um enfoque psicossocial, onde a crítica à estrutura vigente sempre se mostra aguda e sutil. A técnica do contraponto narrativo, na qual conta a história sob diferentes perspectivas, presente em algumas de suas criações, faz lembrar Aldous Huxley, de cuja literatura Carneiro é um admirador confesso. Essa estrutura narrativa, aliada aos temas sociológicos e psicológicos abordados principalmente nas suas ultimas criações, mostra uma ficção científica mais preocupada com o humano do que com o tecnológico.

Faleceu no dia 4 de novembro de 2014, aos 92 anos de idade, em razão de complicações cardiorrespiratórias, em Curitiba (PR), onde viveu seus últimos 15 anos. De acordo com seu filho Henrique, ele foi cremado sem qualquer cerimônia, como sempre quis, avesso às pompas funerárias e aos convencionalismos em geral. Suas cinzas foram espalhadas ao pé de uma pitangueira, em Atibaia, junto de algumas árvores que sempre protegeu, como um verdadeiro ecologista, antes dessa palavra se tornar conhecida. Deixou a ex-esposa Evelina, a irmã Dulce, os filhos Maurício e Henrique e o neto Michel.